Em 1976, o então jovem de 18 anos resolveu se deparar com uma nova realidade: levar adoentados e feridos para o hospital de Milão, na Itália. Por conta própria, foi ser motorista de ambulância. Sem receber um centavo sequer, apenas como voluntário. Conviveu de perto com o sofrimento. Uma experiência que o fez ver como a “vida é frágil“. Mas amadureceu. E, a partir daquele momento, o adolescente Rino Bonvini decidiu ser médico. Só que não queria ser um doutor como tantos outros, dar expediente num hospital qualquer. Queria se dedicar ao próximo, viajar pelo mundo atrás de quem precisasse de ajuda.

O homem de fala mansa e ligado à natureza diz que sempre teve “Cristo no coração“. Mas, apesar de católico, nunca concordou com a proposta conservadora do Vaticano. “Não acreditava naquele tipo de Igreja que abafava a consciência das pessoas para manter o apartheid social, que gera milhões de pobres“. Até conhecer os Missionários Combonianos. A forma como a congregação italiana atuava junto aos pobres seduziu o jovem médico. “Eles me apresentaram uma outra cara da Igreja“, lembra. E ingressou no seminário aos 30 anos.

Conheceu o Brasil em 1993, durante um congresso no Rio de Janeiro. Três anos mais tarde, já em Fortaleza, fundou o Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim. No coração de um dos bairros mais populosos e violentos de Fortaleza, padre Rino e sua equipe de voluntários atendem cerca de 2 mil pessoas por mês.

Hoje, aos 51 anos, o homem que nunca teve medo de questionar alguns paradigmas da Igreja coloca seus dotes como médico e sacerdote a serviço da comunidade. E faz questão de salientar que as duas carreiras têm a mesma importância em sua vida. “Aprendi a escutar melhor as pessoas, cada qual com sua necessidade“.

O POVO – Qual foi a trajetória do senhor até chegar ao Brasil? Já era engajado em movimentos sociais?

Padre Rino Bonvini – Eu nasci na Itália, em Limbiate (periferia de Milão). Sou de uma família simples, de trabalhadores. Na época do colégio eu me aproximei dos movimentos estudantis. Sempre tive uma certa sensibilidade para o social, trabalho comunitário. E a experiência que realmente marcou muito minha vida foi a de voluntariado quando eu tinha 18 anos, como motorista de ambulância. Foi lá que eu decidi ser médico, que realmente percebi a importância do serviço social, de se dedicar ao próximo.

OP – Como foi esse começo dirigindo ambulância?

Padre Rino – Eu era um adolescente ainda. O impacto com a morte, como o sofrimento, com a realidade da vida. De um momento para outro acontece um acidente, uma tragédia. É criança, adulto, idoso, pessoas de todas as idades. Foi uma experiência que me fez amadurecer muito. Porque a gente percebe que a vida é um negócio muito frágil. E que não adianta se esforçar, ser diferente do que você é. Porque nesses momentos é que a pessoa se revela aquilo que ela é, na frente da morte. E aí, neste amadurecimento, eu comecei a faculdade de medicina. Antes de me formar, encontrei os Missionários Combonianos, uma congregação italiana que realmente se preocupava com os pobres e abandonados. Os combonianos me apresentaram uma outra cara da Igreja Católica, que eu não conhecia. Na Itália, a Igreja Católica é bastante vaticana. Portanto, uma Igreja que não apresentava para mim uma proposta interessante naquela época (década de 70). Mas aí eles falaram na Igreja latino-americana, de padres e bispos que estavam tendo uma postura crítica e pagando com a vida na frente das ditaduras. Fiquei impressionado com isso e me sensibilizei com essa Igreja.

OP – O senhor já tinha decidido que seguiria carreira religiosa?

Padre Rino – Não. No começo eu achava que ia ser médico missionário. Pensava em experiências na África, sem fronteiras.

OP – Mas o senhor era católico?

Padre Rino – Era. Mas era afastado da Igreja, ela não me atraía. A proposta da Igreja na época era muito fechada, conservadora, politicamente incorreta, muito próxima dos interesses dos poderosos. Na religião que não acorda a consciência das pessoas, mas que abafa a consciência delas para manter o apartheid social, que gera milhões de pessoas que vivem em situação de miséria… Não acreditava neste tipo de Igreja. Mas a fé em Cristo estava presente no meu coração. Aí, esse encontro (com Missionários Combonianos) mudou realmente minhas perspectivas. A proposta teológica que eles estavam fazendo era tão interessante que eu me envolvi. E entrei no seminário em 1989, com 30 anos.

OP – Antes disso Padre Rino, o senhor já havia participado de ações políticas?

Padre Rino – Eu frequentava os movimentos estudantis. Mas meu envolvimento direto foi mesmo com o voluntariado.

OP – Mas o senhor tinha conhecimento de como estava a situação na América Latina nesse período?

Padre Rino – Tinha, claro. A Itália vivia uma época muito pesada. Os chamados “anos de chumbo“, com movimentos revolucionários, como as Brigadas Vermelhas. Era a luta armada.

OP – Aí o senhor entrou no seminário…

Padre Rino – Isso. Tive a oportunidade de fazer um trabalho com muitos grupos marginalizados, com extracomunitários que vinham da África e América Latina atraídos pelo primeiro mundo. Trabalhava como médico numa casa de acolhida, com pessoas que não tinham para onde ir. Durante esse tempo, tive uma experiência com índios no Equador. Fiquei três meses. Lá amadureceu a ideia de que minha vida era feita aqui na América Latina. Me apaixonei pela cultura. Mas voltei para a Itália e fui para a África. Fiquei quase um ano em Uganda, trabalhando como médico num hospital. E lá estava em guerra. Foi uma experiência forte, que retomou toda aquela questão da violência, da falta de piedade que a gente vê. Fiquei doente de malária, quase morro. E pensei: “Depois desta, posso enfrentar qualquer coisa“. E aí me mandaram para Chicago, onde terminei Teologia e fiz minha especialização (Psiquiatria).

OP – O senhor foi para Chicago apenas para estudar?

Padre Rino – Para estudar. Só que, a característica dos Missionários Combonianos, você não apenas estuda, mas você sempre tem um serviço. Então, trabalhei no primeiro ano em um centro de sobreviventes de tortura. Pessoas que tinham passado pela experiência da tortura e que iam procurar ajuda psicológica. Isso fortaleceu a minha ideia de trabalhar com saúde mental. Depois, trabalhei com os índios Lakota Sioux, uma tribo norte-americana famosa por ter conseguido resistir à casta, por ter vencido o exército. Eles conseguiram conservar toda a tradição, a espiritualidade.

OP – Sua relação com o Brasil começou de que forma?

Padre Rino – Em 1993, participei de um congresso de psiquiatria no Rio de Janeiro. Foi interessante porque lá eu conheci o doutor Adalberto Barreto, que é o fundador da terapia comunitária, que trabalha na periferia com os excluídos e que era o tipo de missão que eu tinha na cabeça. Eu era padre e queria trabalhar na saúde mental, mas não sabia exatamente como. Então eu vi a apresentação da experiência do projeto Quatro Varas (Pirambu), que se preocupava com o resgate das raízes culturais, o respeito da espiritualidade, da adversidade. Conheci o projeto. E aqui, nesta casa, funcionava a comunidade comboniana, com meus colegas que trabalhavam na área pastoral do Bom Jardim. Eles ficaram muito interessados, porque a questão da saúde mental começou a se apresentar como sendo um problema muito sério.

OP – E já veio para ficar em 93?

Padre Rino – Fiquei uma semana aqui e depois fui para o Maranhão. Fiquei o verão todo lá e participei da criação do primeiro centro comunitário que trabalhava com saúde mental. Lá, criou-se uma espécie de embrião do Caps que existe hoje. Onde se pretendia criar condições para o atendimento da comunidade nessa perspectiva da saúde mental. Fiquei três meses e voltei para Chicago, terminei minha formação e pedi para vir para cá. Em abril de 1996 eu cheguei em Fortaleza.

OP – A casa funcionava só como sede dos missionários?

Padre Rino – Era a casa pastoral, mas meus colegas já tinham essa sensibilidade para o social. E toda nossa ação aqui sempre foi caracterizada pela união entre fé e vida, por uma opção preferencial pelos mais pobres, por um trabalho de conscientização das lideranças para o desenvolvimento de uma cidadania ativa, para trabalhar a questão dos direitos humanos. E, portanto, para trabalhar a melhor qualidade da saúde, uma melhor educação… E eu, sendo que era médico psiquiatra, comecei a trabalhar escutando as pessoas. E escutando as pessoas vi realmente que não havia ninguém que as escutasse. E havia um bocado de gente que precisava ser escutada. Além das pessoas que eram portadoras de uma patologia psiquiátrica, existia aquela patologia da alma, do sofrimento do dia a dia. Pessoas que vivem em situação precária, sem perspectivas de futuro, desempregadas, expostas a riscos.

OP – Mas o que o senhor sentiu quando chegou aqui? A realidade era parecida com a que o senhor já tinha visto em outros países?

Padre Rino – O que mais chama atenção no Brasil é o apartheid social. É a grande diferença entre os mais pobres e os mais abastecidos. Existem 10% que vivem na Aldeota, em padrão europeu, e existem os que vivem em condição de miséria. Quando eu cheguei aqui ainda existia gente morrendo de fome, crianças desnutridas.

OP – Mas foi mais chocante do que o senhor esperava?

Padre Rino – Na verdade, era mais ou menos o que eu já esperava. Meus companheiros traziam as informações. Mesmo assim é uma situação que você se interroga. Como um país “rico“ como o Brasil, que pode dar comida a todo povo, por que isso não acontece? É como a questão da desigualdade e da distribuição de renda, que está totalmente alterada. É uma herança do Brasil, que tem raízes escravas, raízes de exploração e que, aos poucos, vai se organizando. Mas logo chama atenção a diferença que há na Aldeota, na Beira Mar, para a favela Pantanal. Aqui tem pessoas que vivem em casa de taipa, sem água encanada. Cerca de 27% das pessoas vivem com menos de meio salário. É uma situação indigna.

OP – Quando o senhor encontrava aquelas pessoas, elas eram conformadas com a situação em que viviam?

Padre Rino – O que essas pessoas passavam para mim foi o que a gente diagnosticou como “pobreza internalizada“. A miséria, a pobreza, a falta de continuidade geravam uma espécie de síndrome. As pessoas achavam que a vida era assim mesmo, que não dava para mudar, que era vontade de Deus. Então, a pessoa acaba se acostumando com essa situação de fatalismo. Alimentam essa falsa imagem de Deus, que a igreja da religião civil, que quer manter as coisas assim, como estão. Que serve para os poderosos, violentos, dos ex-pertencentes à ditadura, que matou, que torturou, para manter o privilégio de um grupinho.

OP – E qual era a visão dessas pessoas sobre a religião, sobre Deus?

Padre Rino – Seguinte: em primeiro lugar é preciso explicar que existe essa Igreja, que promete o inferno. E as pessoas ficam horrorizadas com medo do inferno. Então, a primeira coisa que a gente falava para essas pessoas era: “realmente, o inferno existe. Mas tenho uma boa notícia para vocês: o inferno está vazio, porque a misericórdia de Deus é tão grande que não deixa ninguém ir para lá. Ele não se preocupa com as falhas, com as coisas negativas de vocês. Ele se preocupa com a luz, com a felicidade, com aquilo que vocês podem realizar“. Aí começava a surgir uma outra perspectiva, uma outra maneira de perceber a Igreja. E, na cultura brasileira, a experiência religiosa, da mística, da espiritualidade, é um processo muito complexo. Porque vem de uma miscigenação cultural. Na verdade, a espiritualidade brasileira e, especialmente a nordestina, revela essa espiritualidade da retribuição, da promessa. Eu dou, tu me dá. Você deu a cura do meu filho, então lhe pago de volta. Essa teologia da retribuição que nada tem a ver com a teologia da gratuidade, que é a expressão real do Deus do amor, do Deus da vida. É aquele “painho“ que é amor, ternura, acolhida. Então, nós trabalhamos muito nessa religiosidade libertadora, que ajuda as pessoas a saírem dessas correntes, dessa falsa imagem de Deus. E, consequentemente, de uma Igreja que, ao invés de libertar, aprisiona a mente.

OP – E como se dá esse choque?

Padre Rino – As pessoas foram educadas desse jeito. Internalizaram essa falsa imagem, distorcida, de um Deus que só é pronto para retribuir a falha, o pecado. Com a ameaça do inferno, do sofrimento. A pessoa fica paralisada na culpa, no sofrimento, na dependência, na resignação, que sempre tem alguém para dizer o que é certo ou errado. Isso impede um processo de libertação de autonomia. Então, esse choque nós trabalhamos no grupo da autoestima. Porque na terapia comunitária nós detectamos a pobreza internalizada, e criamos grupos para trabalhar a autoestima das pessoas. E aqui vem uma percepção do autoconhecimento. Porque para trabalhar a autoestima a pessoa tem que aprender a se conhecer. A palavra chave é o cuidado: se cuidar para poder cuidar dos outros. Se você se cuida, acaba se conhecendo melhor e vê o que é melhor para você. Eu aprendo a gostar de mim assim como eu sou. Assim a gente desenvolve uma autoestima saudável e parte para uma realização da própria vida.

OP – Nos grupos que vocês desenvolvem esse trabalho podem participar pessoas de várias religiões?

Padre Rino – Óbvio. Na nossa experiência acolhemos todo mundo. Pessoas que pertencem a diferentes religiões: católicos, espíritas, evangélicos, afro-brasileiros, ou agnósticos, que não têm religião. Mas que vivenciam nosso processo à acolhida, à partilha. Aprende-se a gostar de si e dos outros do jeito que cada um é. Se é índio, é índio; se é negro, é negro; se é gay, é gay. É a partir disso que você tem chance de ser feliz. A acolhida é incondicional.

OP – Como é fazer um trabalho desses no Bom Jardim, que tem altos índices de violência? Qual a principal dificuldade?

Padre Rino – Por incrível que pareça, a dificuldade veio de pessoas que eu achava que poderiam ajudar mais. Essa proposta da saúde mental, da terapia, é uma coisa que cria uma certa distância. Negócio de doido, dizem. Na realidade, as pessoas têm medo de se confrontar com essa questão. Porque de “médico e de louco todo mundo tem um pouco“. Mas desse louco todo mundo tem um pouco de medo. As pessoas que eu esperava que pudessem me ajudar acabaram não ajudando. Atrapalharam até. Companheiros e colegas que não acreditam. Acham que é besteira, moda, que não tem nada a ver com Igreja. E ainda hoje a relação da Igreja com a psiquiatria é delicada. Porque a psiquiatria tem raízes freudianas, que negam a presença de Deus. Portanto, o conceito que há de psíquico ainda tem a ver com ateísmo. Coisa que depois foi superada, porque vários autores, a partir do Jung, desenvolveram uma abordagem analítica que integrava a questão da cultura, da religião, do simbolismo. A espiritualidade não é vista como obstáculo, pelo contrário.

OP – Padre, como o Vaticano vê esse trabalho que o senhor faz aqui? Que tipo de resposta o senhor tem de lá?

Padre Rino – Oficialmente, tenho relacionamento muito bom com a Igreja. Particularmente com o bispo, Dom José Antônio. Sempre me chama para ajudá-lo quando há pessoas que estão precisando. Senhores e senhoras que fazem parte do clero e estão em momento de dificuldade. Ele tem a maior estima pelo nosso trabalho. Mas nem todo mundo acha que esse trabalho tem uma conotação da pastoral tradicional. Quem se preocupa com o número de batizados, número de missas, que tem uma visão eclesiocêntrica, acha que esse trabalho poderia ser feito por outros profissionais. Agora, para quem tem uma visão ecumênica e sabe como essa questão da psicologia e da psiquiatria mexe com a alma, mexe com a espiritualidade, entende que uma figura que é padre e psiquiatra trabalha em uma linha de limite entre duas dimensões que precisam de uma mediação. E essa mediação ajuda muito as pessoas a entenderem melhor o que está acontecendo. Porque umas pessoas me procuram como psiquiatra. Outras, me procuram como padre. Mas num mesmo contexto, na mesma doença, na mesma diferença. Então, é uma nova profissão que se revela muito importante. Tanto é que hoje estão pipocando o número de padres e freiras psicólogos. Psiquiatras ainda somos poucos, mas psicólogos têm vários. E por que isso? Em 2030, a OMS diz que a depressão vai ser o segundo maior problema das doenças inabilitantes.

OP – Esse trabalho que o senhor faz no Bom Jardim poderia ser feito em qualquer outro bairro?

Padre Rino – Sim. A Organização Panamericana da Saúde (Opas) acha que este modelo é adapto para se espalhar na América Latina toda. Por causa das características dele. Ou seja: trabalhar a partir da comunidade. Todos os membros do movimento são oriundos da comunidade. A maior parte chegou aqui como usuário, passou por um momento pessoal de crise. Eles superaram a crise e vieram trabalhar a serviço da comunidade. Então, a sensibilidade é maior porque ela sabe o que os outros estão passando.

OP – Aqui os animais convivem em harmonia, tem muito verde. Tudo isso é para transformar o local em um ambiente de paz?

Padre Rino – Nossa abordagem se inspira em uma visão biocêntrica. Então, significa que somos todos parentes, integrando a vida animal, vegetal, mineral, os seres invisíveis. Temos que desenvolver a amizade com os animais, a planta, o ambiente. Porque se não é amigo do ambiente, ele vai se voltar contra a gente. Aí é poluição, doença, insustentabilidade dos recursos. Estamos no limite. Nosso caminho é voltar às raízes culturais. Mobilizar as nossas energias para reconstituir uma harmonia, um respeito. Não porque é uma obrigação. Deve ser um prazer.

OP – Se hoje fosse necessário que o senhor deixasse a religião para continuar esse trabalho como psiquiatra, o senhor deixaria?

Padre Rino – Vou responder com uma frase que um amigo disse quando eu me interrogava sobre isso. “Você nunca será não-médico e não-padre. Porque você é médico e padre“. Essa é a melhor forma de responder.

OP – Padre, e se o Vaticano chamasse o senhor para voltar à Itália, para sair do Brasil. Qual seria a reação do senhor?

Padre Rino – Acho que eu vou rezar muito.

OP – Rezar para que? Para não acontecer isso?

Padre Rino – (Risos) Eu vou rezar muito. A resposta é que vou rezar muito (risos)…

OP – Aquele contato com a morte que o senhor teve quando era motorista de ambulância deve ter gerado na sua cabeça vários questionamentos sobre a vida…

Padre Rino – Foi um choque. Que ainda hoje me aproxima ao significado mais profundo da eucaristia. Aquilo que eu chamo de eucaristia da rua. Porque me dei conta que, naquela dor, naquele sofrimento, tinha uma energia que me ligava diretamente com a vida.

OP – E o senhor já tem resposta àqueles questionamentos que surgiram quando tinha 18 anos?

Padre Rino – Onde tem alguém excluído, marginalizado, que está sofrendo por causa de algo que é provocado… Você percebe que, quando está servindo ao pobre, ao marginalizado, a quem está sofrendo, você está servindo mesmo a algo de divino, de transcendente.

OP – Então o senhor continua dirigindo aquela ambulância ainda?

Padre Rino – Continuo. Inclusive, a Kombi daqui é o mesmo modelo da que eu dirigia naquela época (risos).

OP – E se o senhor fosse embora daqui hoje, o trabalho andaria sozinho?

Padre Rino – Andaria. Está bem estruturado. Mas você pode fazer esta pergunta ao grupo…

 

PERFIL
Rino Bonvini nasceu em 29 de março de 1958, em Limbiate, na periferia de Milão (Itália). Formou-se médico no começo dos anos 70. Depois de conhecer os Missionários Combonianos, decidiu seguir o caminho da Igreja e foi cursar Teologia em Chicago, nos EUA. Mora em Fortaleza desde 1996 e é fundador do Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim.

E-Mais
A entrevista com padre Rino foi realizada na última segunda-feira, 21, no jardim do Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim. O espaço, que é bastante agradável, tem muito verde e diversos tipos de animais. Cachorros, gatos, coelhos, pavões, galinhas, tartarugas e papagaios convivem harmoniosamente. Padre Rino parece ter o poder de “hipnotizar” os animais. Em seu colo, ele coloca os bichos de barriga para cima e apoia a mão sobre eles. “Eles ficam em transe”, afirma o missionário.

Fundado em 1996, o Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim atende duas mil pessoas por mês. Além da terapia comunitária, os moradores encontram aulas de biodança e música ; oficinas de pintura, crochê e fuxico e cursos de garçom e informática.

Durante a entrevista, o missionário usava camisa com a frase “Mitakuye Oyasin“, oração dos índios norte-americanos Lakota Sioux, com quem o padre trabalhou. A oração quer dizer “Estamos todos ligados“. A história dos Sioux foi contada no filme Dança com Lobos.

Fonte: O Povo

Padre Rino Bonvini por Thiago Cafardo e Luiz Henrique Campos

 

Sobre o Movimento Saúde Mental

Fundado em 1996, o Movimento Saúde Mental atua, entre outras coisas, com grupos de terapia comunitária, embasado pela Abordagem Sistêmica Comunitária, e desenvolve atividades para todas as faixas etárias no bairro Bom Jardim, em Fortaleza e bairros vizinhos.