A indígena Anacé Rute Morais Souza, de 24 anos, neste mês de maio teve sua pesquisa de doutorado “qualificada”, no departamento de Ciências Sociais da Universidade de Salamanca, na Espanha. 

O estudo para ela é “um ato político e uma estratégia de luta”. Em sua proposta de “etnografia inversa” está pesquisando sobre os Anacé e a luta por seu território. A pesquisa está prevista para mais dois anos.

Em sua carreira acadêmica Rute, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), já tem mestrado em Antropologia Iberoamericana pela Universidade de Salamanca 2021 e é mestranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília.

Rute Anacé reflete sobre sua trajetória acadêmica. Tudo é “fruto de muito esforço, muita luta pra permanecer nesse espaço acadêmico e levar também a voz do povo indígena, não só Anacé, mas todos os povos indígenas” para a universidade.

Rute participa do Movimento Saúde Mental (MSM) desde 2014, quando conheceu o projeto “Juventude Indígena Realizando Sonhos”, através do líder indígena Benício Pitaguary. O projeto, realizado pelo MSM, contribui para o fortalecimento da identidade étnica e estimula a formação acadêmica e profissional de jovens indígenas. 

A antropóloga Rute explica que a conexão com o MSM contribui para a sua permanência nos espaços acadêmicos desde a sua graduação, durante o mestrado e agora, no doutorado.

Ela explica ainda que o MSM tem contribuído de forma positiva para seu povo: “Não só eu, Rute Anacé, mas com todo o povo Anacé o Movimento Saúde Mental tem contribuído com os tratamentos, com a palhoça, com eventos e atendimentos também”.

 

A vivência e a pesquisa

Como pesquisadora, Rute atua em questões antropológicas relacionadas à luta pelo território. Ela mora na reserva indígena Taba dos Anacé. Outra parte do povo Anacé habita a comunidade Japuara. O desejo dela para pesquisar especialmente sobre a desterritorialização tem origem ainda na sua infância. 

Quando ainda era uma menina, Rute acompanhava as ações de seu povo contra os processos de invasão. Depois, com o amadurecimento, ela se tornou cientista social pela Universidade Federal do Recôncovo da Bahia (UFRB). 

O povo Anacé enfrenta até hoje os impactos dos dois processos de invasão do território indígena. No primeiro, em 1996, parte das famílias Anacé foi desapropriada da terra para a construção do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP). O segundo processo se concretizou em 2018, para a ampliação daquele complexo portuário.

Desde então, as famílias Anacé, que ainda permaneciam no território de origem, em Matões/Caucaia-CE, foram obrigadas a reconstruir sua história na Reserva Indígena Taba dos Anacé. O novo lugar fica a 22 quilômetros da terra originária.

Rute explica: “A remoção impacta diretamente na vida das famílias, dos idosos. E esse processo está sendo realizado também através das memórias, da identidade, porque a gente é indígena onde quer que a gente vá, mas desterritorialização não é somente sobre as relações físicas com o espaço mas também as relações simbólicas, o carinho e tudo que ficou pra trás e tá sendo reconstruído”.

O estudo como ato político

“Nós também estudamos como um ato político e uma estratégia de luta”, defende Rute.

Ela explica que, durante muito tempo, diversos textos foram produzidos defendendo a ideia de que não existiam indígenas no Ceará, como o Relatório Provincial de 1863, que documentava a extinção de povos indígenas no estado. 

Hoje, os indígenas têm a possibilidade de contar sua própria história e de seu povo através das suas pesquisas. Antes, “o poder da caneta” ficava somente na mão de pesquisadores brancos e europeus. 

Rute destaca: “Hoje podemos falar por nós mesmos. Podemos pegar uma dissertação produzida por um indígena e ouvir de quem sofreu e sofre esse processo de colonização”.

Ainda hoje, Rute esbarra com resistências e racismos em espaços universitários e acadêmicos. Por isso, segundo ela, “a todo tempo a gente está nesse espaço reafirmando, sabendo de onde a gente veio e pra onde a gente quer ir, dando voz às famílias e comunidades indígenas”.

Redação: Rayssa da Costa e Elizeu Sousa
Fotos: Yago Medina