(Chefe Suemy Leitão relembra trajetória sobre os caminhos que a levaram a se tornar referência em gastronomia social / Foto: Yago Medina)
“É um sonho de criança!”, revela a chefe de cozinha Suemy Vieira Leitão Diogo ao refletir sobre os caminhos que a levaram a se tornar uma das maiores referências cearenses em gastronomia social. Aos 51 anos, ela e Natália Martins, CEO do Giardino Buffet, serão algumas das representantes do Ceará na Expo Favela Innovation Brasil 2023, evento sediado em São Paulo que reúne startups e empreendedores da periferia a investidores capazes de promover a aceleração desses negócios.
Há mais de três anos trabalhando no Giardino Buffet, negócio social de impacto selecionado entre os 10 que irão representar o estado na etapa nacional do evento, Suemy Leitão acredita que a receita para o sucesso é trabalhar com prazer. “Trabalhar com o que eu gosto, que é comida e cozinha, é prazeroso. Tem dia que eu preciso trabalhar 14h, mas no outro dia eu tô aqui feliz da vida. E, por quê? Porque eu sei que eu vou fazer o que eu gosto”, conta.
O buffet é uma extensão da Escola de Gastronomia Autossustentável (EGA), sendo as duas ferramentas da Abordagem Sistêmica Comunitária (ASC) para a superação da pobreza no território do Grande Bom Jardim. A chefe de cozinha fez parte dos dois espaços e garante que cozinhar é um ato terapêutico. “Eu digo que é uma terapia para mim. Quando eu tô cozinhando, eu esqueço de tudo. Eu esqueço dos problemas e fico focada. Para mim, é um complemento. Você tá ali ocupando sua mente. Eu acredito que muitas pessoas encontraram seus escapes aqui, na gastronomia. Encontraram o equilíbrio para a vida delas”, explica.
Perguntada sobre as expectativas para sua primeira viagem à São Paulo, a empolgação é inconfundível pelo sorriso no rosto e o brilho nos olhos. Apesar disso, ela conta que a rotina de viagens e as dormidas fora de casa são palco de muitas conversas e negociações entre a família. “Eu disse para o meu esposo que isso é o sonho que eu tenho desde de criança e que não seria justo eu ser impedida de realizar. Na minha profissão, daqui há um tempo, eu vou precisar passar mais tempo fora. Mas, eu lutei muito para estar onde eu estou”, revela.
Sem curso superior na área, mas com experiência e conhecimento de sobra, Suemy Leitão foi certificada como chefe de cozinha pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com o título de notório saber. Em meio à pandemia no Brasil, ela chegou ao Giardino para trabalhar na produção de marmitas, que foram distribuídas para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A partir de então, participou de diversos cursos, inclusive aqueles oferecidos pela EGA. Dessa forma, conseguiu unir sua prática às teorias compartilhadas pelos professores.
Em meio à conversa, a chefe não esquece daqueles que fizeram parte e ajudaram a construir a sua jornada. “A professora Eveline me incentivou muito. Por muitas informações, eu achava que para ser chefe, eu teria que ter uma faculdade. Era o que passavam. Quando eu a conheci, ela deixou claro que não era necessário ter uma faculdade, mas que tivesse amor pela cozinha e conhecimento. Isso me alegrou”, agradece.
Suemy Leitão também teve a oportunidade de se ver do outro lado da sala de aula, sendo professora de uma oficina de gastronomia. A experiência fez com que muitas barreiras e dúvidas sobre o seu próprio potencial fossem deixadas de lado. Ela fala sobre as incertezas que tinha sobre si mesma antes de se ver ministrando um curso, “Queira ou não, tem hora que a gente duvida do nosso potencial, principalmente por ouvir muitas pessoas falando sobre o fato de eu não ter faculdade. Mas, quando eu me vi naquela posição, eu senti muito orgulho de mim. Foi muita dificuldade e muita luta para chegar onde eu cheguei”.
Superar expectativas virou uma marca registrada da chefe, que se sente grata e realizada ao ver seus clientes satisfeitos e felizes depois de provarem sua comida e seus alunos reconhecendo o seu trabalho e esforço. Numa oficina de gastronomia, “eu convidei um rapaz para aprender a fazer salgado e ele disse que eu tinha toda a paciência de ensinar de um professor. Que eu ensinava não só a teoria, mas que também botava eles para fazerem. E eu faço isso porque foi do jeito que eu aprendi. Não foi só na teoria. Me colocaram para fazer e eu tive que ir lá fazer”, revela entre risos.
Ela também exalta a importância da Escola de Gastronomia Autossustentável para os moradores do Grande Bom Jardim. “[A EGA] é uma porta que se abriu com muitas oportunidades. Aqui, é um bairro menos favorecido, que tá nos noticiários só com coisas ruins. Quando a gente fala do Bom Jardim, todo mundo já se assusta. E, para fazer um curso de gastronomia, é muito caro. Muitas pessoas estão desempregadas. Fazendo esse curso, elas conseguem ter uma renda para dentro de casa. Então, [a EGA] veio para mudar a vida de muitos aqui e mostrar que a gente tem potencial e não é porque a gente mora na favela que temos que baixar a cabeça e achar que não temos condições de mostrar o nosso potencial para o mundo”.
No apagar das luzes da cozinha, a chefe Suemy dá lugar à dona Suemy. Fora da doma, ela passa a chefiar outra equipe: a família. Esposa, avó e mãe de três mulheres e um homem, dona Suemy administra a rotina dentro de casa conciliando o trabalho no Giardino Buffet, o trabalho doméstico e ainda consegue arrumar um tempinho para desenvolver o seu próprio negócio, também no ramo gastronômico.
“Cozinhar é uma paixão. Uma paixão de infância”, admite a chefe, que desde os 8 anos já preparava receitas com ajuda de arrecadação financeira da vizinhança e, em seguida, convidava os vizinhos para provar seus bolos, por exemplo, em celebrações como o Dia das Mães. “As minhas irmãs faziam bolos e eu ficava prestando atenção em como elas faziam, para eu aprender. Sempre tive essa paixão e esse sonho de ser chefe”.
Nascida e criada em Limoeiro do Norte, interior do Ceará, Suemy Leitão veio para o Bom Jardim aos 26 anos e estabeleceu suas raízes. Hoje, ela sente orgulho de ver que o território que a abriga durante esses muitos anos de vida está sendo reconhecido como um espaço de resistência, mas também de muita potência. Questionada sobre o poder da favela, a resposta é rápida: “Favela é potência!”.