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Em 13 e 14 de março acontece o III Congresso Internacional de Saúde e Espiritualidade do NUPES (CONUPES 2020), no Trade Hotel, em Juiz de Fora. O evento, realizado anualmente, aborda temas como conversões religiosas, meditação, curas espirituais, transes, experiências de quase morte e de final de vida.⠀⠀

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Para esta nova edição, os professores, pesquisadores e profissionais vinculados ao Núcleo de Pesquisas em Saúde e Espiritualidade da UFJF (NUPES/UFJF) prepararam uma programação multidisciplinar, que prima por mesclar aspectos da investigação científica com a prática clínica.⠀⠀

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Entre os palestrantes, está o Padre Rino Bonvini, que ministrará o Minicurso Terapias Sociais – Reconhecimento e Utilização da Espiritualidade nas Abordagens Psicoterápicas, juntamente do Dr. Marcos Noronha, Psiquiatra e autor do livro Terapias Sociais.⠀⠀

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Marcos de Noronha e Rino Bonvini são psiquiatras atuando desde a década 90 nestes campos. Enquanto Noronha foi tocado pela experiência proveniente da África e pelo Serviço de Etnopsiquiatria do professor Henri Collomb da Universidade de Nice, Bonvini estabeleceu um contato permanente com o povo Lakota Sioux, nos EUA, de cooperação e aprendizado que o levou a ser adotado na família do medicine man Adam Little Elk, com o nome de Oyate Oyshakya Mani (Caminha Ajudando o Povo).⠀⠀

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Durante o curso padre Rino apresentará a Abordagem Sistêmica Comunitária (ASC), elaborada em mais de 24 anos de experiência no Movimento Saúde Mental, ao serviço das comunidades mais pobres e marginalizadas na periferia de Fortaleza. A ASC foi reconhecida em 2009 como Tecnologia Social eficaz e replicável pela Fundação do Banco do Brasil e foi definida como inovação em saúde mental pela Mental Health Innovation Network (MHIN), em 2018.⠀⠀

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Além das conferências e mesas redondas, o congresso irá contar também com três minicursos e mentorias individuais.⠀⠀

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Para mais informações e inscrições, clique aqui.

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ENTREVISTA

 

O tema saúde mental passou a ser mais amplamente discutido nos últimos anos, porém muitas pessoas ainda enxergam o “cuidar da saúde mental” como simplesmente tratar de transtornos já manifestados. Como você definiria esse cuidar?

A palavra chave é prevenção!

Chegar antes da evolução dos sintomas em distúrbios graves que podem levar ao suicídio e a auto-agressão ou a dependência química, sempre mais frequente entre adolescentes e jovens, especialmente nas populações indígenas. Cuidar significa ter qualidade de vida, ter lazer de qualidade, um espaço para desabafar as nossas preocupações  e também ter  relacionamentos sociais e familiares saudáveis.

 

No que diz respeito ao tratamento de doenças mentais, qual a importância das terapias integrativas?

As Práticas Integrativas e Complementares (PICS) são baseadas em conhecimentos tradicionais e comunitários que ajudam a prevenir e curar varias doenças como depressão, ansiedade, síndrome do pânico entre outras. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) teria que oferecer, de forma integral e gratuita, 29 diferentes Práticas Integrativas e Complementares (PICS) à população.

No MSM desde 1996 oferecemos varias PICS como a Terapia Comunitária, a Biodança, a Constelação Familiar, Arte Terapia, Yoga, Reike, Massoterapia, e outras atividades terapêuticas como grupos de autoestima, de terapia da respiração, arte, musica e biomagnetismo.

As PICS facilitam o processo de autopoiese comunitária que é  a capacidade que a comunidade tem de buscar a autorregeneração e a homeostase.O fortalecimento dos vínculos afetivos entre os participantes, gera alianças, trocas de experiências, novas formas de autoconhecimento e de fortalecimento da autoestima. Varias pessoas definem esta experiência como um renascimento, o inicio de uma nova maneira de viver.

O MSM oferece também oportunidades de geração de emprego e renda abrindo caminhos de autorrealização.

 

Quais fatores ajudam a eleger as práticas mais adequadas para os tratamentos?

O mais importante é a sensibilidade da pessoa. Algumas pessoas se identificam mais com uma das propostas que as outras.

Por isso, a Abordagem Sistêmica Comunitária (ASC) oferece varias opções. No entanto, o primeiro passo é a acolhida, a escuta com empatia, ajudar pessoa a se sentir parte de uma nova comunidade, que aceita a pessoa do jeito que ela é, sem preconceitos ou julgamentos.

 

Como os recursos socioculturais afetam a percepção acerca da saúde mental e como funciona a incorporação da espiritualidade nas abordagens psicoterápicas?

No contexto de miscigenação cultural típico da cultura brasileira, é importante reconhecer e valorizar as diferentes maneiras de perceber os problemas de saúde mental, que frequentemente são associados a crenças que a definem como consequência de influencias espirituais.

Mal olhado, feitiçaria, retribuição divina de pecados são preconceitos que as vezes atrasam o processo terapêutico e que as vezes são retroalimentados por pessoas e líderes religiosos que afirmam que só a Divindade pode curar e que temos que jogar fora os remédios como sinal de fé no milagre. Infelizmente isso as vezes pode ter consequências catastróficas.

Por isso é importante unir os saberes populares com os saberes acadêmicos, valorizando tudo de bom e de saudável que os conhecimentos da cultura popular nos trazem, no respeito da diversidade religiosa,  mas também integrar com os tratamentos farmacológicos quando necessário.

 

Que lições podemos tirar de sociedades tradicionais, que venha a contribuir como forma de reabilitação e prevenção?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a depressão hoje e´ a doença mais inabilitante do mundo.

Uma das causas do aumento das doenças mentais, é o afastamento do contato com a natureza e do silêncio, a ausência de um relacionamento saudável com o meio ambiente sempre mais poluído e hostil. O contexto social caracterizado pela violência, pelas injustiças sociais, pela vergonhosa disparidade de renda, mantém o Brasil entre os países com indicadores de desenvolvimento humano entre os piores do mundo.

O conceito de Casa Comum que o papa Francisco apresenta na encíclica Laudato Si, é a síntese da importância do resgate da cultura indígena e das sociedades tradicionais para restabelecer o equilíbrio necessário para que todo mundo tenha vida, e Vida em abundância!

Reconstruir uma sociedade baseada na inclusão das diferenças, na cooperação, na solidariedade e na capacidade de partilhar o melhor de nos com o nosso próximo.

Na cultura Lakota este processo se resume na frase Mitakuye Oyasin: “somos todos parentes!”

Cuidar uns dos outros, incluindo a Natureza em todas as suas dimensões, pensando na qualidade de vida e da Casa Comum das futuras gerações.

 

A Abordagem Sistêmica Comunitária tem por estratégia o acolhimento incondicional da pessoa, a escuta empática, a proposta de cuidados terapêuticos e o compartilhamento dos problemas, que resultam em identificações e encontro de novas soluções e na capacidade de ser corresponsáveis. Que mudanças você tem visto na comunidade atendida por seu projeto Movimento Saúde Mental, o bairro Bom Jardim, em Fortaleza?

Milhares de pessoas são atendidas mensalmente nas varias atividades do MSM. Inúmeros exemplos de cura e evolução pessoal foram observados nestes anos de atividades socioterapêuticas, documentados também em pesquisas e trabalhos acadêmicos.

Através do processo autopoietico a comunidade conseguiu se organizar e inventar novas soluções que proporcionaram a criação do Caps Comunitário do Bom Jardim e da Residência Terapêutica, em cogestão com a Prefeitura de Fortaleza. Isso proporcionou a possibilidade de implementar a reforma psiquiátrica e oferecer à população um serviço de saúde mental alternativo ao modelo centrado no manicômio.

A Escola de Gastronomia Autossustentável, a Escola de Robótica Lab Inec , os vários projetos de extensão com as universidades, a Casa Ame que trabalha as inteligências artísticas são outras experiências que nasceram da autopoiese comunitária.

A ASC se afirmou como tecnologia socioterapêutica de múltiplo impacto a nível nacional e internacional, com formação de profissionais na Bolivia, Peru, e Paraguay.

No ano passado apresentamos a ASC no congresso Mundial de Psiquiatria em Lisboa levando o Bom Jardim para a Europa, porém não com noticias de violência, morte, trafico, exploração de crianças e adolescentes ou estatísticas de homicídios e feminícidio.

Esta vez a noticia foi diferente. Quando uma comunidade pobre, marginalizada e oprimida, tem a possibilidade de se autoconhecer, fortalecer a autoestima, buscar novos caminhos de autorrealização e de partilha corresponsável, tudo se transforma e esta mesma comunidade vira protagonista internacional com uma nova tecnologia socioterapêutica que pode ajudar outras comunidades desfavorecidas a transformar a crise em sabedoria e resolução de graves problemas.

 

O que o levou a se dedicar à promoção do bem-estar e saúde mental por meio da espiritualidade? Pode contar se há outros projetos e parcerias em que esteja trabalhando no momento?

A ASC  é uma abordagem biopsicossocioespiritual. Integra as varias dimensões do ser humano visando a harmonia e a qualidade de vida.

Como padre e psiquiatra entendi que existe uma linha tênue entre psiquiatria e espiritualidade. Existem vários fenômenos psíquicos que podem ser confundidos como patológicos mas que na realidade se manifestam em experiências de evolução espiritual.

Em todas as culturas existem técnicas e rituais que induzem estados alterados de consciência que são procurados para favorecer experiências místicas e de encontro com o sagrado. Este fenômeno se define como emergência espiritual e é muito comum nas culturas indígenas e tradicionais.

O psiquiatra moderno tem que trilhar o caminho da etnopsiquiatria, onde a ciência e a espiritualidade dialogam buscando uma hermenêutica dos fenômenos psíquicos que integra a cosmologia e as crenças das diferentes expressões religiosas.

Atualmente colaboro com o pajé Barbosa, líder espiritual do povo Pitaguary. Vários casos clínicos de pessoas com sintomas psiquiátricos, são resolvidos juntando os conhecimentos espirituais típicos da cultura indígena com o necessário tratamento psiquiátrico, trazendo saúde e integração cultural dos fenômenos espirituais.

Aprendi muito com o meu irmão Adam Little Elk e com o meu sobrinho Wopila Bad Hand que visitaram a nossa comunidade e que nos ajudaram a realizar esta conexão entre as culturas visando novas soluções e caminhos de cura.