Uma sala iluminada, uma mesa, cinco ou mais carretéis de linhas coloridas, agulhas e um gatinho manhoso deitado sobre os metros de tecido de algodão cru. O cenário para quem entrou no auditório da Casa AME na tarde desta última terça-feira era claro: um ponto de acolhimento. Vitória de Sá é estudante do 9º semestre de psicologia, e como voluntária no Movimento Saúde Mental, foi a responsável por ministrar a oficina de bordado que reuniu 20 mulheres na esperança de aprender algo novo, relaxar um pouco ou simplesmente fugir da rotina.

Com os instrumentos separados e o círculo de participantes atentas, Vitória iniciou o momento contando como sua experiência com o bordado, que já pratica há 1 ano, transformou sua vida, virou fonte de renda e tema de sua pesquisa que investiga a arte de bordar como uma atividade promotora de saúde mental. Ela apresenta alguns de seus trabalhos em bastidores de diferentes tamanhos com técnicas e pontos tão distintos que contam a trajetória de sua evolução antes mesmo de suas palavras.

Da xícara com flores simples que foi seu primeiro bordado, à fogueira de São João em ponto matiz, seu mais recente treino em degradê de cores, ou até a letra D contornada de flores, que faz parte de uma série de presentes que ela fez para os seus familiares e logo chamou a atenção da Rosália Pimentel, de 81 anos, que apontou a letra como sua arte preferida, pois era a inicial de sua mãe, Dolores, com quem tinha aprendido bordado pela primeira vez e em quem pensou quando decidiu participar da oficina.

 

Dona Rosália não foi a única levada até aquela sala pela memória. Quando a roda de mulheres seguiu com cada uma se apresentando, algumas compartilharam suas lembranças de uma mãe, uma avó ou uma tia que já viram bordar, costurar ou crochetar e a vontade que ficou de aprender. Entre os motivos também surgiu a vontade de sair das telas e ter momentos de relaxamento ou apenas fazer algo diferente, como tanto gosta Dona Rosália: “É muito bom fazer coisas novas, porque sempre fica algo com a gente”, justifica.

Essa foi uma aula voltada para iniciantes e Vitória tomou o trabalho de desmistificar tudo que envolve a arte. Dos tipos de tecido ao tamanho da agulha, a turma foi mergulhando no mundo feito de pontos “atrás” e “haste” que logo foram dominados, depois uma dúvida aqui ou ali, por todas as alunas. Após a confusão inicial com técnicas desconhecidas, as mãos foram pegando o jeito e começaram a bordar a tulipa do molde sugerido enquanto as conversas entre amigas ou novas colegas enchiam a sala de histórias em palavras e linhas coloridas. 

Essa é a parte preferida de Jacinta Maria da Silva, de 73 anos, que quando se viu de frente com a depressão encontrou no Movimento Saúde Mental as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) que mudaram a sua vida. Começou na oficina de fuxico, depois a de macramê e já até ministrou uma de crochê. Com tanta experiência ela tirou o bordado de letra, mas o que a fez faltar na musculação só para não perder a aula são as conversas, as troca e o apoio entre as colegas artistas: “Uma ensina para a outra. É maravilhoso”, afirma com um sorriso.

O momento se encerra com lindas flores coloridas no tecido branco, dicas de lojas e materiais de costura e a promessa de que o aprendizado não termina ali, vai invadir a casa de cada uma e evoluir junto com suas histórias. Os aplausos são intensos para Vitória, que se mostrou uma professora acolhedora, e Balbina Lucas, coordenadora da Casa AME, que organiza e apoia todas as oficinas. A pose para a foto era cheia de orgulho da nova habilidade adquirida, e demonstra que o objetivo da aula foi cumprido: dali, todas aquelas mulheres levam nas mãos, na memória e no coração pelo menos um pedacinho daquele dia.

 

 

Por: Lívia Vieira