A Palhoça Comunitária viveu três dias intensos de muito Axé durante o “Movimento da Consciência Negra, de 17 a 19 de novembro, que focou no tema “A influência das matrizes africanas na nossa formação cultural, social e espiritual”. Honrando a herança ancestral dos povos da África que enriquece a cultura brasileira, foi hora de reforçar a importância da musicalidade, dos conhecimentos que estão na base da nossa formação histórica, da culinária saborosa e particular, da espiritualidade plural, da capacidade de resistir e construir o novo.

Foi por uma sabedoria profunda que os povos de África aqui escravizados conseguiram inundar o Brasil com as suas cores e sabedorias, contribuindo para nossa diversidade. Tudo isso ecoou durante o evento que reuniu muita gente boa e comprometida com a luta pela garantia dos direitos da população preta.

Uma roda de conversa abriu as atividades na manhã do dia 17, mediada por Vilma Nogueira (terapeuta comunitária e coordenadora do Projeto Betânia), com os convidados: Marcus Giovani Ribeiro Moreira (advogado e coordenador do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Dom Aloísio Lorscheider); Ivanilson Monteiro (Africano da Guiné-Bissau, idealizador do Centro de Pesquisa Guineense em Álcool e Outras Drogas), irmã Antônia Mendes (terapeuta comunitária no Projeto Betânia); irmã Francinete Amorim (terapeuta comunitária e pedagoga) e Mãe Casticiane (Mãe de Santo da Casa de Cura Mãe de Aruanda). Entre relatos pessoais e coletivos de superação, construiu-se um painel de histórias emocionantes.

À tarde, também na Palhoça, tivemos o relato da assistente social Cristiane Silva sobre sua experiência com o racismo. Mais que um desabafo sua fala foi um chamado para reconhecermos o racismo estrutural de nossa sociedade e entendermos que a mudança começa de forma individual, mas a transformação é coletiva. Na sequência aconteceu a oficina de Bonecas Abayomi e sua história de resistência, conduzida pela terapeuta social Antônia Mendes. As bonecas que eram feitas dos retalhos dos vestidos de mães em navios negreiros para acalmar seus filhos diante de todo o terror da escravidão, hoje são símbolos de afeto e trazem o lúdico como ferramenta para resistir. Antônia ensinou o passo a passo da boneca enquanto provocava reflexões sobre as semelhanças entre aquele tecido e nossas vidas. Os nós em nossas cabeças, o peso das pernas e a libertação de todas as amarras que ainda nos prendem foram algumas das reflexões provocadas durante a construção da boneca.

Nesta mesma tarde, a Casa AME também abrigou a oficina de Estampas Africanas: Símbolos Adinkras, conduzida pela Agência de Formação, Cultura e Cidadania Étnico-Racial (Afrocultce). Os símbolos, marcas cheias de significado e história, são tipicamente usados em tecidos e cerâmicas. Eles inscrevem representações de conceitos, provérbios e aforismos.

Na manhã do dia 18 foi exibido o filme Oriverso – jornada do herói negro, uma animação que conta a história de João Cândido, marinheiro afro-brasileiro que liderou a Revolta da Chibata, um levante ocorrido na Marinha brasileira em 1910 contra os castigos físicos, como a chibata, e as condições desumanas de trabalho dos marinheiros. O público foi convidado a refletir sobre a história fazendo a ponte com os dias atuais.

Mas como nem só de luta vive o povo preto no Brasil, duas oficinas trouxeram um pouco das artes que herdamos desses ancestrais. Pela manhã foi a vez de aprender a fazer trança Nagô Lateral, com a trancista Régia Braids. E, a tarde, Biju Afro com Adriana Lima. Colocando a mão na massa, quem participou aprendeu quanta beleza suas mãos são capazes de criar.

No último dia (19), afeto, memória e espiritualidade se entrelaçaram. Pela manhã, uma Vivência de Gastronomia Afetiva, ministrada pela estudante de Gastronomia da Universidade Federal do Ceará, Monaliza Sousa, colocou o munguzá doce no centro da roda. Ela pontuou a importância desse prato ancestral, de origem africana e trazido pelos escravizados. O munguzá, seja doce ou salgado, conta parte da história do povo negro no Brasil. Entre as lembranças que cada um dos presentes compartilhou sobre o prato, se sobressaiu o carinho e o momento familiar, as avós, o pilão e o milho, que atravessam tanto momentos de dificuldade e sofrimento do povo negro e do sertanejo, quanto experiências de celebração com a textura de milho cozido e gosto de comunhão.

A mesma comunhão que reuniu a todos durante a tarde para Celebração Afro. Pastor Simões, da Igreja Presbiteriana; Mãe Casticiane, Mãe de Santo da Casa de Cura Mãe de Aruanda, e Padre Dodjiol Lionel, missionário comboniano, animaram um emocionante diálogo centrado na profundidade das espiritualidades dos povos de África. Costurando ligações entre o Cristianismo e as religiões de matriz africana, eles mostraram o quanto há pontes entre as diversas denominações religiosas existentes no mundo e não muros, como acreditam alguns.

Foi como um aquilombar de mentes e corações. Quem mergulhou nas experiências do Movimento da Consciência Negra destes três dias se emocionou e se fortaleceu para seguir dizendo sim ao amor e respeito entre os povos de todas as nações.

 

Por Milene Madeiro